Ingra Costa e Silva
o papel de parede era descascado.
eu ali, sentada num canto daquele bar imundo que lembrava uma taberna desses
livros antigos. sorvia um wiskey sozinha. meninas direitas não bebem, já dizia
minha mãe. ainda mais em bares. ainda mais sozinhas. mas do jeito que minha
vida estava, desculpa mãe, mas eu só tinha uma coisa pra dizer: FODA-SE!
sentada num daqueles bancos que
as baixinhas mal alcançam os pés no chão, e rodeada de quadros clássicos como
Beatles e Amelie Poulin, puxei da bolsa o meu Bukowski e me pus a divagar.
entre goles e palavras(lidas) , saía daquele mundo falido e fodido e ria com o
pensamento de que Bukowski podia ter uma vida igual a minha. a vantagem de
freqüentar estes lugares, é que o garçom não te importuna e sabe quando tu quer
alguma coisa, que tu nem precisa chamar. é como se ele se materializasse do teu
lado. o pessoal que freqüenta é maluco tanto quanto você (ou ainda mais) e se
tu fumar um cigarro ou uma carteira lá dentro, estão todos pouco se lixando.
parece puta, diria minha avó,
bebendo e fumando numa bodega!, coisa de homem ou de meretriz. um abraço pra
ela. esse tipo de pensamento me faz falar de novo: FODA-SE! pelo menos ali era
uma bolha aonde meus problemas não conseguiam penetrar. peguei um cigarro na
bolsa. puta que pariu cadê o isqueiro? e quando levanto os olhos, ainda com o
pito na boca, vejo que no canto oposto do bar tem outro esquecido, como eu.
esquecidos pelo mundo. esquecidos pela sorte. (talvez até esquecidos pelo
garçom, que desapareceu). na tentativa frustrada de embriagar os problemas. e
se afundando na vida boêmia, mesmo que de maneira singular, assim como eu. ele
tragava calmamente seu cigarro. e eu aqui, sem isqueiro. lembrei dos filmes de
décadas passadas quando os cavalheiros, ao verem uma moça pôr o cigarro na
boca, já tinham o fogo engatilhado. puxavam rapidamente o isqueiro brilhante e
prateado e com o peito estufado seguravam aquela chama flamejante. seria legal
se ele fizesse isso.bem legal.
ele também usava All-Star. uma
camiseta do Paul e um jeans surrado. o cabelo era bagunçado e os olhos
amendoados. achei interessante. fiquei olhando. desci os olhos para o meu
Bukowski e lembrei do isqueiro. novamente me pus a revirar a bolsa. minutos
passaram. nada. cansei do azar . subi os olhos e o cara tava ali do meu lado.
“quer fogo moça?” com o braço estendido e o isqueiro na mão.
olhou o que eu lia. ele também gostava de Bukowski. era pouca coisa mais velho
que eu. tinha a mesma profissão que eu. tocava violão, tinha uma banda de
garagem que eu nunca ouvira falar mas segundo ele, uma hora dessas ia estourar.
fazia vocal às vezes. a voz dele era muito, mas muito envolvente e eu não
duvidava nada que ele conseguisse o que queria se falasse um pouco mais manso.
falamos de Lucys, Judes, Helps e Strawberrys. fossem forever ou não. e
entre copos e palavras (agora proferidas) passaram-se horas até o garçom
começar a levantar as cadeiras e limpar as mesas. ele me acompanhou até a maldita
pensão que me arrisco a chamar de casa. me beijou antes de ir. disse que ia me
ligar. mas ele não acendeu o meu cigarro. Let it Be.
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Essa crônica é resultado da falta de alguns dos itens citados acima, numa madrugada solitária de sexta-feira.
Essa crônica é resultado da falta de alguns dos itens citados acima, numa madrugada solitária de sexta-feira.
Ingra. 10/12/2010